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terça-feira, 8 de julho de 2008

Protegendo as Onças-Pintadas e a Mata Atlantica‏

A caçada para salvar as onças
Como uma pesquisa de preservação de felinos virou um dos maiores projetos para salvar florestas do país
Juliana Arini, do Pontal do Paranapanema (SP)


MUDOU DE LADO
O caçador Platero com os "cães onceiros". Antigo matador de onças ele hoje ajuda os pesquisadores a salvá-las.

"Não tem emoção maior do que atirar em uma onça", diz o caçador Carlos Roberto Platero. Ele segue pela trilha em uma das últimas porções de mata preservada de Ivinhema, em Mato Grosso do Sul. Os cães são os olhos de Platero na floresta. Eles são treinados para farejar e cercar as onças. A caminhada é interrompida por uma seqüência de uivos. O caçador coloca a espingarda nas costas e desaparece na trilha na direção do barulho. Alguns metros adiante, encontra uma onça-pintada, que subiu na copa de uma árvore. Está acuada pelos cães. Platero aponta seu rifle para o animal e o derruba com um tiro preciso. "Aí, a caçada acabou", diz.

Ele conseguiu capturar uma fêmea de onça-pintada, o terceiro maior felino do mundo. "Pegamos a Tina", afirma Laury Cullen, engenheiro florestal do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê). "Já encontramos essa onça antes". Ele e Platero são antigos companheiros de caçada. Juntos já capturaram mais de 30 onças. Mas não são caçadores tradicionais. Eles não matam os animais. O tiro disparado continha um dardo paralisante. Tina foi apenas anestesiada.

A caçada faz parte de um programa que está mudando a forma de criar reservas florestais no Brasil. Agora, os pesquisadores seguem os animais antes de desenhar os mapas das áreas a ser protegidas. A captura serve para colocar um colar na onça, que emite sinais de rádio e permite monitorar seus deslocamentos por satélite. Tina é um dos animais que os pesquisadores estudam a distância. O objetivo da última caçada era trocar o equipamento que ela carregava havia três anos. Os dados dos colares, repassados para os computadores dos cientistas, desvendam os caminhos seguidos pelos felinos. "É como se perguntássemos a eles que regiões são importantes para viverem", diz Cullen.

"Graças a essas pesquisas, descobrimos que as onças não vivem apenas nos refúgios de florestas", afirma. "Elas se aventuram muito. Por isso é comum vê-las caminhando perto de fazendas e cidades". Com essa informação, os pesquisadores perceberam que havia um erro na forma tradicional de criar áreas protegidas. "Essa metodologia resultava na formação de reservas florestais isoladas. Verdadeiras ilhas com uma natureza muito rica, mas desconectadas umas das outras." A falta de ligação dessas áreas foi reconhecida como o grande obstáculo para a reprodução dos animais e plantas. "A troca genética limitada a um território pequeno também pode resultar em ondas de extinção. Ou, pior, aumentar os casos de atropelamento nas estradas entre as reservas quando um animal resolve migrar de uma área para outra em busca de parceiros".

A caçada às onças já ajudou a formar um corredor de 2.500 km de matas que vai de São Paulo até o Uruguai
"Quando vimos os mapas resultantes do monitoramento, decidimos romper com a velha prática de criar reservas naturais por estudos feitos em escritórios", afirma Cullen. O novo modelo proposto pelo Ipê segue o conceito dos corredores naturais, junções de áreas que incluem, além dos remanescentes de matas, todas as áreas por onde circulam os animais – o que engloba fazendas, margens de estradas e regiões urbanas. Foram mais de dez anos para chegar a um modelo ideal. Como resultado, o monitoramento das onças produziu um dos maiores programas nacionais para salvar a Mata Atlântica, a vegetação mais ameaçada do país.

A primeira conquista dos pesquisadores foi traçar uma área contínua que junta remanescentes de floresta ao longo de uma linha com 2.500 quilômetros de extensão. Esse corredor florestal começa em São Paulo e segue até a fronteira do Brasil com o Uruguai. Alguns blocos já são áreas de conservação. Outras devem ser criadas para juntar os pedaços do que foi batizado de Corredor de Biodiversidade do Alto Paraná. A preocupação com as onças traz benefícios extras. Ela ajuda a preservar a vegetação que protege os mananciais do Sul e do Sudeste, o que contribui para garantir o abastecimento de água de cidades onde vivem quase 55% da população brasileira. As pesquisas do Ipê também ajudam a preservar outras espécies de animais e plantas. "Escolhemos colocar os rádios-colares nas onças porque elas estão no topo da cadeia ecológica. Por onde esses felinos circulam, sempre há bichos menores, como porcos-do-mato e antas", diz Cullen.

Passado o obstáculo de unir os fragmentos de florestas e salvar os animais, surgiu um novo problema. Como garantir a sobrevivência das onças em uma região densamente povoada por humanos? O primeiro obstáculo a vencer foi a resistência dos fazendeiros. Os pecuaristas são históricos inimigos das onças. Afinal, elas invadem os pastos para atacar o gado. Uma onça pode devorar até 40 bezerros por ano. Para evitar o prejuízo, muitos pecuaristas contratam caçadores. Ironicamente, foi a chegada desses produtores rurais às áreas de florestas que transformou as onças em caçadoras de bois. O desmatamento para a formação de pastagens fez os animais de pequeno porte desaparecer e o gado os substituiu como a principal fonte de proteína dos grandes felinos. "Já matei muita onça para pecuarista do Pantanal", diz o caçador Platero. "Mas agora só trabalho com os pesquisadores. Eu prefiro: vivo a mesma emoção da caçada, mas não preciso matar". O desafio da equipe do Ipê era mudar a consciência não só do caçador, mas também dos proprietários de terras.

Como convencer os fazendeiros de que as onças não são uma ameaça? "No começo pensei em desistir. Colocar um radar no pescoço de uma pintada parecia mais fácil", diz Cullen. Para sorte das onças, os cientistas tiveram a idéia de fazer um pacto com os criadores de bois. Os pesquisadores começaram a plantar árvores para os pecuaristas. Como a grande maioria dos proprietários de terras do Sul e do Sudeste destruiu mais florestas do que a lei permite, eles têm a obrigação legal de reflorestar. Do contrário, ficam sujeitos a multas e à restrição de créditos agrícolas. Ajudar esses fazendeiros a recuperar suas matas foi o foco da parceria. Em troca, os fazendeiros deixam as onças vivas. O acordo foi bem-sucedido porque passa por uma lógica matemática. Replantar 1 hectare de floresta pode custar até R$ 8 mil, enquanto um bezerro vale cerca de R$ 300. "No final, percebemos que o prejuízo que as onças causam com o gado é pequeno", diz o pecuarista Osmar Cirino Lopes, da Fazenda Ponte Branca, em Teodoro Sampaio. "É um acordo bom para os dois lados".

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