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terça-feira, 7 de outubro de 2008

Resenha

Resenha do livro: O Canto do Dodô, Biogeografia de ilhas numa era de extinções. Por Vagner Carlos Canuto.
Holden Caulfield, o deslocado e irrequieto personagem de J. D. Salinger em “O apanhador no Campo de Centeio”, lá pelo início do clássico se sai com uma frase memorável: “bom mesmo é o livro que quando a gente acaba de ler fica querendo ser amigo do autor, para se poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer”. Pois foi exatamente essa a sensação que tive ao finalmente postar O Canto do Dodô, do jornalista-ecólogo David Quammen, sobre minha mesa de cabeceira e sentir ao alcance de meu esterno aquele caroço oco e vazio típico de momentos de uma missão cumprida e de vida além das letras e das janelas da casa. Foi como um desses momentos melancólicos de despedida pelo qual, cedo ou tarde, todos passamos nessa vida.
Em suas quase 800 páginas Quammem dá uma lição de conhecimento, engajamento e paixão profissional, além de um humor verídico ao retratar como nenhum outro o percurso da ecologia e da biogeografia dos últimos 150 anos. De Darwin e Wallace a Michael Soulé, o renomado biólogo proponente da disciplina da Biologia da Conservação, ninguém ficou de fora: Frank Preston, Edward Wilson e MacArthur e os pressupostos fundamentais da Teoria da Biogeografia de ilhas; Gilpin, Simberloff, Bierregaard e Jared Diamond, com suas discussões incansáveis sobre tamanhos de áreas protegidas (um debate científico fervilhante que na década de 1980 ficou conhecida pela sigla SLOSS, Single Large or Several Small); além de Ted Case, Willian Newmark, Thomas Lovejoy e seu projeto de Dinâmica Biológica em Fragmentos Florestais na Amazônia brasileira e Mark L. Shaffer e sua teoria sobre população viável mínima. E por aí segue já se imaginando o que podemos encontrar pela frente diante de cientistas tão renomados. E deles, tampouco suas indagações científicas mais intrigantes ou suas personalidades mais íntimas também deixaram de serem narradas. E Quammen esteve em todos os cantos por onde cada um deles passou, sofreu, aprendeu, errou e revolucionou com suas teorias, suas ações em prol do mundo natural e seus escritos que mudaram rumos das ciências e da conservação; de Galápagos à Amazônia Central; da bioestatística ao trabalho de campo mais árduo em mangues e em florestas tropicais repletas de Biriguis leishmaniosos e aranhas provocadora de febres e fobias. Quammem confessa, sofre de aracnofobia. Uma incompreensão que lhe garantiu charme e talvez um ponto a mais nesses casos de epopéias.
Mas não se engane pelo título, o Dodô (Raphus cucullatus), a ave que é o maior símbolo moderno das extinções provocadas pela espécie humana é apenas uma metáfora. Embora o assunto sobre extinções de espécies seja o tema central do livro, a narrativa vai além de um simples relato de inescrupulosos navegadores portugueses e holandeses depenando e grelhando até a extinção uma ave de uma ilha distante incapaz de voar.
Fora do mundo acadêmico e mesmo dentro dele, a Biogeografia de ilhas e suas correlatas, principalmente a Ecologia e a Biologia evolucionária, assim como a Biologia da Conservação, são temas tão sinuosos que é difícil até mesmo para um profissional articulado achar a ponta do novelo. Mas em o Canto do Dodô, David Quammen conseguiu o que Manoel Bandeira tão perfeitamente usou para definir Cecília Meireles: foi “libérrimo e exato”. Todos os modelos, todos os padrões e todas as definições que debruçada e apaixonadamente demoramos anos decifrando como partes de um hieróglifo, ali se torna claro e inteligível. É sem dúvida um livro para leigos. Mas não só; a obra lançada só agora no Brasil data de 1996, quando foi lançada nos E.U.A. e também balançou o mundo acadêmico pela sua narrativa cativante e sua aparente simplicidade. É antes de tudo um livro de aventura, uma aventura apaixonante, científica e acima de tudo fantástica pelos meandros do mundo natural, seus lugares mais insólitos e seus heróis mais vigilantes.

Vagner Carlos Canuto faz pesquisas no âmbito da biologia da conservação.

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